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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Tarde

Sentada, junto à porta, Carla não sabia o que fazer. Mexia nas pontas do cabelo, enrolava-as repetidamente (havia já um caracol bem definido do lado direito). Olhava a porta fixamente - ainda retumbava na memória o barulho do seu bater violento há quase uma hora atrás. Engolia em seco, tentando controlar as lágrimas que pareciam poder explodir a qualquer momento e voltava a enrolar as pontas do cabelo.
Não podia fingir que não ouvira aquilo. Não podia esquecer as palavras que tanto a magoaram. 
Se ela não entende que me magoou, que faço eu aqui? Que faço eu aqui à espera que a porta se volte a abrir? Vou embora! Tenho que ir embora! Não há outra solução! Prometi a mim mesma que me ia respeitar, que me colocaria sempre em primeiro lugar... Não vou chorar! Então por que raio continuo aqui sentada?
Encheu  o peito de ar, passou as duas mãos pelo cabelo e levantou-se. Tirou os olhos da porta e dirigiu-se ao quarto com passos lentos mas firmes.
Era talvez uma das decisões mais difíceis que tinha de tomar; detestava tomá-las - habituara-se de mais à passividade que Joana lhe incutira - e era assim que se sentia confortável, sem ter de decidir. Estava, por isso, nervosa: tomara a decisão de se levantar, de tirar os olhos da porta, mas não sabia bem o que fazer a seguir.
Abriu hesitantemente as portas do guarda-vestidos e ficou parada a olhar.
Que ridículo! Nem sei ao certo quais destas roupas são realmente minhas!
Os olhos já não brilhavam, os movimentos foram-se tornando cada vez mais rápidos. Tinha duas malas cheias, um caracol a desfazer-se e um sorriso iminente.
A porta abriu-se de repente e ouviu:
- Perdoa-me.
Mas era tarde de mais.

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