Estavam de mãos dadas, agarrados como se a vida dependesse daquele aperto e caminhavam na segurança vã dos apaixonados. Ele era alto e, embora franzino, transmitia-lhe a tranquilidade de que ela necessitava. Fingia-se frágil para ele parecer maior, escondia-se na delicadeza estudada que ele achava adorável.
Naquela noite, entraram no apartamento procurando o refúgio para o amor que os consumia, faltavam quinze minutos para a meia-noite, faltava muito menos para a urgência dos corpos. No gritinho abafado que ela soltou ao toque viril da mão dele na sua coxa nua, não notaram o barulho metálico do trancar da porta.
O bater forte de uma porta no corredor, contudo, foi impossível de ignorar e colocou em pausa os corpos já enrolados em cabelos e suor. O bater dos corações tornou-se ainda mais forte ao ouvirem passos pesados atravessarem as divisões contíguas ao quarto. A mão dela procurou a dele e puxou-o com força para fora da cama; quebrou-lhe a apatia com um safanão mais forte e esconderam-se debaixo do colchão, donde pendiam lençóis brancos feitos escudos.
No instante em que recolhiam ainda as pernas na trincheira improvisada, a porta sofre um golpe duro que a atira contra a parede numa violência ruidosa. Enrijeceram os corpos, um contra o outro, ainda nus, revelando a fragilidade real dos dois. Sentiram o vibrar do solo a cada passo adivinhado da criatura que se aproximava. O lençol não os deixava ver a fonte dos sons, mas acompanhavam as vibrações que lhe denunciavam o percurso e, ao sentirem que se dirigia à casa de banho, ela sussurrou-lhe ”Vamos!”
Agarrou no lençol que cobriu os seus corpos nus e esvoaçaram para fora do quarto, quais fantasmas em busca desorientada pela paz eterna. Ela lançou a mão à porta de entrada, agora de saída, que se oferecia resistente e pelo olhar ele entendeu que a devia ajudar, mas de nada valeram os golpes masculinos perante a firmeza da porta trancada.
Os barulhos do arremesso de objetos continuavam e eram agora acompanhados por uns grunhidos graves e roucos. Quando ela ajustava o lençol para os tapar melhor na fuga, avistou o sexo dele, que há muito abandonara a ereção, e estava agora recolhido e tão mirrado que quase lhe provocara riso, não precisasse ela de se concentrar no plano que inventava. Empurrou-o na direção oposta dos ruídos que se aproximavam e, ao olharem para trás, conseguiram apenas ver uma sombra imensa.
Entraram numa pequena despensa e trancaram-se lá dentro, aninhando os corpos em terror. Os passos aproximavam-se e eles escorriam suor numa lubrificação agora inútil; ela sentia-lhe o bater forte das pulsações e quando a maçaneta da porta estremeceu, ele pegou-lhe no corpo pequeno e ajustou-o na frente do dele. Encurralados e sem tempo para pensar, viram a porta entreabrir-se.
Foi então que, sem ela adivinhar, ele pegou nela numa força descoberta, atirou-a para fora da despensa de encontro à fonte de terror e, esperando a liberdade pela oferenda que fazia, gritou:
- Desculpa, tenho medo!
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