- Eu bem disse à mãe que ainda era cedo para fazer a troca das roupas, mas não adiantou nada. Agora estou aqui a morrer de calor.
Na paragem do autocarro sempre estava mais fresquinho: a sombra portegia-o do sol e a brisa que passava dava para aliviar um pouco a temperatura. Deixou-se ficar ali. Os colegas de turma acabariam por chegar no autocarro das 14h e só depois seguiriam para as aulas da tarde.
Morar perto da escola tinha as suas vantagens, embora os relatos das viagens de autocarro pelos colegas o fizessem desejar, secretamente, morar um pouco mais longe.
Estava quase na hora; sentia-se, finalmente, mais fresquinho. Ao longe, viu aproximar-se o autocarro: levantou-se, adotou uma postura que lhe desse um ar mais cool - encostando-se displicentemente contra a lateral da paragem, com a mochila pendurada num ombro só -, verificou que o cap estava bem posicionado (ligeiramente desencaixado da cabeça) e cravou o olhar no autocarro que pararia dentro de uns segundos.
O veículo, de facto, abrandou; as cabeças lá dentro começaram a tornar-se rostos conhecidos, mas não parou. José viu alguns dos amigos, mas em vez de lhe corresponderem o sorriso, mostraram expressões que ele não conseguiu, no primeiro segundo, decifrar - não o cumprimentaram, tinham os olhos esbugalhados, e enquanto uns passavam as mãos pelo cabelo, outros tapavam os olhos com as mãos. Percebendo que o autocarro não parava, José abandonou a pose ensaiada e caminhou em direção ao autocarro - na traseira estava Carlos, seu colega de turma, com as mãos ensaguentadas escorregando pelo vidro.
Nesse instante, o autocarro acelerou.
- Sangue? Aquilo era sangue? Não parou?
As perguntas acompanhavam o movimento de um lado para o outro do pescoço. Procurava alguém, mas não havia vivalma àquela hora na rua. Estava sozinho e não podia ficar ali parado. Começou a correr, e o calor estava cada vez mais insuportável. As gotas de suor turvavam-lhe a visão, mas na avenida deserta ainda conseguia ver o autocarro. Atirou a mochila para o passeio e tentou apressar a corrida. A sweat era quente de mais. Arfava e limpava o suor das sobrancelhas. Estava a perdê-lo de vista e começou a chorar.
Um carro ultrapassou-o. Apitou veementemente. O autocarro parou.
(Continua)
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