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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Memórias - Erasmus

Eu tinha 20 anos. Estava em Londres, longe do meu ninho, cheia de garra e valentia, mas intimidada com a minha própria coragem. Lembro-me de olhar o mapa várias vezes e analisar cuidadosamente a distância a que estava de casa. Embora o meu lar já não fosse o dos pais - tinha voado um pouco -, ainda assim havia uma ausência que não se podia apagar tão depressa como antes. Era jovem, sei agora que era, realmente, muito jovem. Havia tanto para aprender, para conhecer, para experimentar: é isso a juventude - o início de todas as experiências adultas.
Tinha conseguido alugar um quarto, num bairro no norte de Londres, e toda a casa e suas características me pareciam extremamente estrangeiras. Não podíamos andar calçados lá dentro, havia uma chave para ativar a eletricidade, não existia bidé na casa de banho... Um grill estava no lugar do exaustor e deste, inexistente, não senti falta. A cama tinha uma cabeceira amovível e a claridade escondia-se com uma cortina, apenas. Sem persiana, a janela parecia-me sempre aberta! Era apenas uma casa, contudo, havia que reaprender a conhecer uma casa. 
Em nenhum momento me senti arrependida e as diferenças excitavam-me os sentidos. Na primeira noite, ao passar Picadilly Circus, pensei que estava num filme, ou talvez num noticiário do canal 1 (como dizíamos então). Belisquei-me para acreditar que estava ali, a olhar os sinais luminosos todos, e onde encontrei o meu primeiro obstáculo linguístico. Por pouco interessante que possa parecer, ele foi o vinagre. O grupo pedia batatas fritas num cone de papel (tal qual as nossas castanhas!) e queriam saber se eu queria vinegar. Vinegar?? Com a pronúncia londrino-asiática dos meus companheiros, vinegar tornou-se a palavra mais impercetível do mundo - até o ter cheirado e respondido: "Sim! Quer dizer, yes, please!! Vinegar, I love vinegar!" Embora vinagre nas batatas fritas fosse, para mim, uma estreia. 
(continua)

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