A história que vos vou contar passou-se, provavelmente, quando eu tinha 7 anos. Há momentos que não são fáceis de assinalar com precisão no tempo, por fazerem parte da amálgama de memórias que ficam algures entre os 4 e os 9 anos. Depois dessa idade, começa a ser mais fácil organizar os separadores das memórias, mas até então, as recordações são como um conjunto de folhas soltas e desorganizadas em cima de uma secretária. Do topo dessa secretária, hoje retiro uma das folhas.
Em todas as minhas memórias de infância há um denominador comum que não posso nunca obliterar: o meu irmão - chegado a casa quando eu tinha apenas 13 meses, não me lembro sequer de um dia da minha vida sem ele. O meu pai e a minha mãe educaram-nos de forma igual, embora os resultados, pelo menos os aparentes, sejam bem diferentes.
Eu era a tagarela dentro e fora de casa, uma simpatia. Ele era o tímido, o sossegado, mas apenas fora de casa. Por isso, na prática, em casa éramos os dois uns fala-baratos que não deixávamos espaço para o silêncio reinar.
Fora de casa, a educação que recebíamos obrigava-nos a uma maior contenção. Embora eu fosse mais extrovertida do que ele, ambos primávamos pelo bom comportamento em qualquer situação, mais ou menos formal. Esse comportamento modelar foi resultado de castigos bem aplicados, palmadas no sítio e momentos certos, e de muitos olhares. Os olhares da minha mãe - como de muitas, eu sei - era o suficiente, na maior parte das vezes.
Um dia, porém, por causa de alguma situação em que a nossa contenção se terá confundido com tacanhez e falta de capacidade de desenrasque, a minha mãe dissertou acerca da necessidade de sermos mais despachados.
- Que atadinhos! Têm que se safar! - ainda me lembro de a ouvir dizer.
Aquilo reverberou em mim durante uns tempos. Eu não queria nada ser uma atadinha!
Pouco tempo depois, numa consulta médica em que estávamos todos presentes, enquanto os meus pais conversavam com o senhor doutor, eu achei por bem pôr em prática a minha nova faceta de ser uma menina despachada. Não sei muito bem as interpretações intelectuais que terei feito na altura desta dicotomia atada / despachada, mas lembro-me de deliberadamente começar a mexer em tudo quanto era material na secretária do médico. Levantei alguns papéis, mexi num objeto ou noutro, inspecionei algum material que por ali estava espalhado: enfim, estava a ser exatamente o contrário do que seria uma atadinha!
Penso que o médico terá olhado para mim, mas isso pouco me importou. O pior foi quando cruzei o olhar com o da minha mãe.
Ali, numa pequena fração de segundo, percebi com a maior facilidade o significado de "nem 8 nem 80".
E foi assim que aprendi a ser equilibrada. Sim?