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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A varanda (iv)

Ana arranjou-se com celeridade, que o sr. Alberto precisava de começar os trabalhos imediatamente. Calça de ganga justa, T-shirt e sapatilhas brancas: parecia mais nova. Pedro estava na esplanada lá em baixo, já depois de ter comunicado à mãe os recentes planos para o almoço. 
Parou, subitamente, a leitura do jornal por causa do tal estranho som que reaparecia e interrompia o silêncio que o levara às notícias. Levantou o rosto à procura de alguma coisa que o explicasse e sentiu uma mão pousar no seu ombro, como uma pena, e trazendo um aroma já conhecido. 
Seguiram a pé até à praia.
- Então, Pedro, moras por aqui?
- Sim, sou espécie autóctone. E gosto! Esta terra é muito simpática. As pessoas são simples, mas chegadas. Não nos falta nada do que importa: praia, mar, sol, árvores... Os acessos à cidade também são bons, por isso aquelas obrigações urbanas estão ao alcance de uma pequena viagem.
- É verdade, já não é a primeira vez que passo aqui um fim de semana. A experiência tem sido boa, por isso vou repetindo.
- És de longe?
- Não, em pouco mais de meia hora chego aqui, mas é o suficiente para encontrar o que normalmente não consigo ter em casa. 
- A praia?
- De certa forma... O silêncio. 
- O silêncio? Na praia? Comigo acontece exatamente o contrário: vou até à praia quando estou farto do silêncio. Ali as ondas preenchem-me todos os sentidos, até o da audição. A aldeia é sossegada, com poucos eventos, às vezes faz falta o ruído. 
- Sim, por isso hoje de manhã se sentiu tanto o som da persiana a cair.
- Vês, faço bem em procurar o barulho. O ruído tem sempre consequências. Desta vez, boas.
- Eu venho para cá à procura das consequências do silêncio.
- E encontras?
- Quase sempre. Preciso do silêncio para escrever.
- E para ler, não? Eu preciso dele para encontrar e entrar nas palavras.
- Não, para ler não preciso do silêncio. A leitura transporta-me para longe da realidade. Mas a escrita exige-me sossego, pede solidão. É isso que encontro aqui. Ou pelo menos tenho encontrado. Hoje foi  uma exceção: culpa do calor. 
- Do calor?
- Sim, não fosse este calor e eu não estaria a escrever praticamente despida. 
- Então a escrita pede-te silêncio e frescura.
Sorriram e chegaram ao areal. Estava calor, de facto. O dia prometia.
- Então não trouxeste os chinelos condizentes com o prato do dia? - perguntou, provocador.
- Os chinelos não. 
O silêncio teve tradução para ambos: de repente não foram as calças de ganga que se sentaram na mesa do bar da praia, mas as cuecas vermelhas. Pediram o prato do dia. E o estranho som permanecia.

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