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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Apoplexias com sexo

Pensei em fazer aqui uma espécie de compilação de tudo o que já li sobre o cartaz do BE. Pensei que seria interessante agrupar argumentos a favor e contra e fazer uma espécie de balança para ver a tendência generalizada. Concluí, contudo, que isso me poderia causar uma apoplexia e decidi dar apenas a minha opinião. Afinal, foi o que os outros fizeram também. Cada um vai buscar a argumentação que lhe serve para fundamentar o seu ponto de vista, desde santos e milagreiros a Charlies e Maomés. Eu não sou assim tão culta, mas também sei apoiar os meus pontos de vista em pilares importantes. 
Antes de passar à minha opinião, apresento, sem mais, o meu grande pilar de fundamentação: Ricardo Araújo Pereira. Disse ele aqui há uns tempos, parafraseando, que há por aí quem se enerve porque nós gostamos de ir ao cinema, porque gostamos de vestir saias, porque gostamos de ir ao restaurante ou a um concerto de música, que se enervam porque gostamos de humor negro, ou porque nos rimos com as piadas dos pregos Garcia (espero que conheçam a anedota). Não terá usado estas exatas palavras, mas defendia que nos devemos levantar pelos nossos valores culturais. Ora, posto isto, só posso confessar a todos os anjos e santos e a vós irmãos que achei o cartaz extremamente engraçado, muito bem apanhado e não me senti em nada ofendida nas minhas crenças religiosas. Há por aí uns católicos não praticantes (tanto quanto eu sou vegetariana não praticante) que acham um exagero e uma ofensa. Sabem o que lhes digo?? Nada. Estão no direito. Cada um no seu. Eu diverti-me muito, mesmo muito. Quase tanto como com os conselhos do sr. Primeiro-ministro (e eu até deixei de fumar!!)!
Espero apenas que não tenha havido apoplexias causadas pelo cartaz! E para completar o título deste texto, falta apenas a parte do sexo. 
Cá vai então: Velório em Direto na CMTV! Eu sei que nenhum dos meus amigos é cliente desse canal, mas isso sim, é caso para dizer vão-se f*der.  

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Uma vontade irresistível

Penso muitas vezes em desligar a televisão, para não ter de ver as notícias transmitindo o pior que pode haver na natureza humana. Fico confusa e perdida na necessidade de me confrontar com essas realidades e com a urgência de as filtrar e interpretar para a minha filha. Não é fácil explicar por que uma mãe faria mal a um filho, como, apesar das grandes diferenças culturais, se consegue deixar uma menina sozinha em casa. 
Infelizmente, sei que isto acontece muitas mais vezes do que as que são noticiadas nos meios de comunicação, mas sentir-me encurralada perante as evidências impede-me de fingir que nada disto é possível. Talvez enfiar a cabeça na areia não possa nunca ser a solução: talvez agir seja tão imperativo como a própria condição humana. Porém, confesso, há dias em que prefiro viver num mundo onde finjo não saber que estas coisas existem. Prefiro viver a paz e a tranquilidade, o amor e a entrega da alma como únicas possibilidades humanas. Faço-o numa tentativa de esconder o erro para que não sirva de modelo. Nas minhas aulas, nunca o monstro, para que, não sendo nunca visível, não possa nunca ser copiado. Será possível ser assim no resto da nossa vida? Se não víssemos nunca o mal, será que nunca o concretizaríamos?
Um destes dias, uma das minhas alunas tomou uma decisão polémica que alterou o curso da sua vida, provavelmente de forma definitiva e preponderante. Não a posso julgar. Desejo-lhe o melhor, sabendo que as decisões marcantes nunca podem ser fáceis, mesmo que aparentemente pareçam levianas. É a vida dela. Terá de a viver confiando em si mesma. 
Contudo, há uma vontade irresistível (gostava de acreditar que principalmente na adolescência) de criticar, avaliar e julgar o outro. Os pares dessa minha aluna debatem-se em comentários tão inúteis como incrivelmente injustos sobre a atitude dela. Estranho e irónico é saber que a miúda, cuja mãe se endividou em favor dela e que teve de emigrar muito por força das exigências materiais da mesma (deixando-a para trás ao cuidado de terceiros), critica a outra por ter deixado o conforto material e emocional para retornar a uma família que em tempos fora um perigo para ela. Se ela acredita que o amor que ainda assim resistiu lhes faz falta, quem somos nós para criticar? Talvez seja um erro. E se o for, só ela sofrerá as consequências.
Esta vontade irresistível de enfiar a cabeça na areia - que eu também sinto - não deveria manifestar-se na incapacidade de olhar para si mesmo. Quanto mais soubermos olhar para dentro de nós, quanto mais compreendermos a nossas próprias incongruências, mais conheceremos e aceitaremos o outro. Há momentos em que o silêncio é a única solução - porque nem sempre há palavras.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A neve

Há muitos anos que não via nevar. Passar a viver junto ao mar, retirou a neve do meu dia a dia invernal, se não como presença diária, pelo menos como uma promessa real.
Ontem, ao acordar longe de casa, a neve começou a formar-se e, com ela, a promessa concretizada de purificar os solos. Diz quem sabe que é essencial para a terra, convivem com ela como um elemento natural que é, despindo-a das atrações turísticas que inevitavelmente também traz. Penalizando os incautos, a neve provoca cuidados e olhares atentos, como se lentamente o mundo abrandasse para a ver chegar. Quando neva, parece que tudo acontece mais devagar.
Faz falta, por isso, ao mundo. Lá, onde neva, a vida é mais pura, porque é abençoada por este abrandar protetor. Quando o véu pousa, devolve a verdade e honestidade aos homens. O branco cobre e absorve a corrupção no mundo: obriga o tempo a parar em contemplação, exterior e interior, para depois seguirmos renovados. A fé recarrega-se no crer que por baixo do manto branco continuam as sementes que surgirão em breve.
É assim a fé: a certeza de acreditar sem ver, de desprezar os sentidos mais mundanos e confiar no que sentimos com o coração. E é tudo isso que vem num leve floco de neve. 
Por isso, gostava que um manto espesso de neve branca e gelada pudesse cobrir toda a terra, por momentos, para conseguirmos voltar a acreditar, para trazer de volta a honestidade e a fé. A sinceridade inevitável do frio da neve faz falta ao mundo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Outra vez Carnaval!

Há sempre um momento na vida de todas as pessoas em que o Carnaval faz sentido, ou melhor, é entendido. Insere-se na tradição católica, por oposição e em seu complemento, e antecede a Quaresma. Pelo menos há dias em que tenho este sonho: o sonho de que todos sabem o que andam a fazer e não andam só por ver andar os outros. 
Embora eu não costume aderir às festividades carnavalescas - nem quando era miúda achava grande piada -, entendo bem o significado da tradição. Assim como entendo o significado do cozido nesta terça-feira - e dessa tradição sou bem mais adepta.
Por ser professora e lidar todos os dias com muitos seres diferentes de mim, cujas mentalidades tento conhecer para melhor lá chegar com o que pretendo transportar, procuro sempre olhar para o outro de um ponto de vista inquisitivo, curioso, por vezes até com um olhar científico. Gosto de ser democrática e moderna, aceitando a diferença, respeitando-a e até a promovendo. Mas há limites.
Há anos que procuro esta resposta e não consigo encontrar: por que razão um povo que vive o Carnaval no inverno, regra geral rigoroso e chuvoso, teima em imitar e copiar tradições de países com temperaturas acima dos 35ºC? Será até mais honesto da minha parte dizer: mas por que raio se dança samba ridícula e praticamente sem roupa nas ruas de Portugal imitando uma tradição brasileira? Porquê? Para quê?
Já me passou pela cabeça que é apenas exibicionismo. Que há mulheres que aproveitam qualquer motivo (socialmente justificado) para se despirem em público. Não que me incomode. Na verdade, não me incomoda. Que se exibam à vontade: só vai ver quem quer. Mas está frio! Está frio, chuva e vento. Quase sempre, quase todos os anos, porque incrivelmente o Carnaval em Portugal cai sempre no inverno! Não faz sentido. Faz? Pois eu nem me dispo, nem vou ver quem se despe. 
Gosto das nossas tradições, gosto dos caretos, gosto das matrafonas, gosto dos palhaços e de criancinhas vestidas de animais. Gosto de fantasia e de imaginação. Gosto de criatividade. Copiar o Carnaval do Brasil devia ser considerado plágio. Se era para copiar e mostrar que não têm ideias próprias, então que copiassem o de Veneza. Lá também está frio como cá. As fantasias são adequadas ao clima. Mas é raro ver disso: copiado só mesmo tudo o que implique mostrar nádegas e seios, independentemente do frio.
Tanta coisa interessante para copiar no mundo...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A varanda (iv)

Ana arranjou-se com celeridade, que o sr. Alberto precisava de começar os trabalhos imediatamente. Calça de ganga justa, T-shirt e sapatilhas brancas: parecia mais nova. Pedro estava na esplanada lá em baixo, já depois de ter comunicado à mãe os recentes planos para o almoço. 
Parou, subitamente, a leitura do jornal por causa do tal estranho som que reaparecia e interrompia o silêncio que o levara às notícias. Levantou o rosto à procura de alguma coisa que o explicasse e sentiu uma mão pousar no seu ombro, como uma pena, e trazendo um aroma já conhecido. 
Seguiram a pé até à praia.
- Então, Pedro, moras por aqui?
- Sim, sou espécie autóctone. E gosto! Esta terra é muito simpática. As pessoas são simples, mas chegadas. Não nos falta nada do que importa: praia, mar, sol, árvores... Os acessos à cidade também são bons, por isso aquelas obrigações urbanas estão ao alcance de uma pequena viagem.
- É verdade, já não é a primeira vez que passo aqui um fim de semana. A experiência tem sido boa, por isso vou repetindo.
- És de longe?
- Não, em pouco mais de meia hora chego aqui, mas é o suficiente para encontrar o que normalmente não consigo ter em casa. 
- A praia?
- De certa forma... O silêncio. 
- O silêncio? Na praia? Comigo acontece exatamente o contrário: vou até à praia quando estou farto do silêncio. Ali as ondas preenchem-me todos os sentidos, até o da audição. A aldeia é sossegada, com poucos eventos, às vezes faz falta o ruído. 
- Sim, por isso hoje de manhã se sentiu tanto o som da persiana a cair.
- Vês, faço bem em procurar o barulho. O ruído tem sempre consequências. Desta vez, boas.
- Eu venho para cá à procura das consequências do silêncio.
- E encontras?
- Quase sempre. Preciso do silêncio para escrever.
- E para ler, não? Eu preciso dele para encontrar e entrar nas palavras.
- Não, para ler não preciso do silêncio. A leitura transporta-me para longe da realidade. Mas a escrita exige-me sossego, pede solidão. É isso que encontro aqui. Ou pelo menos tenho encontrado. Hoje foi  uma exceção: culpa do calor. 
- Do calor?
- Sim, não fosse este calor e eu não estaria a escrever praticamente despida. 
- Então a escrita pede-te silêncio e frescura.
Sorriram e chegaram ao areal. Estava calor, de facto. O dia prometia.
- Então não trouxeste os chinelos condizentes com o prato do dia? - perguntou, provocador.
- Os chinelos não. 
O silêncio teve tradução para ambos: de repente não foram as calças de ganga que se sentaram na mesa do bar da praia, mas as cuecas vermelhas. Pediram o prato do dia. E o estranho som permanecia.