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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Balança, resvala, cai e levanta

Costumo dizer que não gosto dos anos ímpares e, de facto, 2015 foi um ano de muitos suores frios. Tanto a nível pessoal, como profissional houve dois ou três grandes acontecimentos que me trouxeram lágrimas agudas de dor, incredulidade e tristeza. Contudo, no conjuntos dos 365 dias o balanço foi, sem dúvida, extremamente positivo. 
Não consigo nem quero expor aqui os yins e yangs deste ano, mas sublinho os meses que passei numa escola onde fui realmente feliz, onde encontrei, reencontrei e conheci gente que me faz bem, onde consegui trabalhar e dar um bocadinho mais de mim do que o costume.
Permaneceram as amizades fortes e as partilhas inesquecíveis e se algumas parecem mais lassas, podem estar assim apenas temporariamente. 
A um terço do caminho houve quedas que já não doem e que trouxeram consequências positivas; no fim do segundo terço foi o trambolhão profissional que me obrigou a ver o mundo de forma muito diferente. Até porque quando há menos dinheiro, o mundo fica realmente diferente... Talvez dê para perceber que não preciso de tanto e que tenho, afinal, tudo além dele que me faz verdadeiramente feliz.
O mundo, lá fora e cá dentro, andou às avessas e parece não querer endireitar-se: pode ser o vento norte que sempre traz tumulto e esperança - assim espero.

Já os anos pares, no geral, costumam ser bem mais divertidos: há grandes animações desportivas, para começar; mas alguns terminados em 6 têm um lugar especial no meu coração - 1976 e 2006! E por isso, este ano, vou dar-me ao luxo de ter muitas expectativas positivas. Há processos e petições para resolver, há muitos livros para ler, cursos para terminar, projetos para concretizar, alegrias para viver e muito amor para distribuir.

Este foi duro, mas está a terminar e, devo acrescentar, da melhor forma: às vezes ser o plano B sabe ainda mehor do que ser o plano A. 

Obrigada a todos os que me acompanham nas leituras e escritas e desejo a todos Saúde.

Venha ele!

domingo, 27 de dezembro de 2015

Carta a David - O Guardião do Silêncio

Junto ao mar, 27 dezembro 2015
David, 
gostava de te ter encontrado, de poder conhecer o teu recanto de tesouros muito quietos e de te convidar a vires conhecer o meu. Há pessoas que encontram no carinho de um animal de estimação o prazer de chegar a casa e não entendem como eu, exatamente da mesma forma, o encontro nas minhas prateleiras: como se um grupo silencioso de amigos estivesse sempre aqui incondicionalmente à minha espera, como tu dizes, à espera do afago das minhas mãos. É essa vontade que tenho sempre que entro no meu forte: acariciar cada uma daquelas personagens que conheci e ansiosa por encontrar as outras a quem ainda não tive tempo de me apresentar.
Os meus livros são os meus companheiros - a única certeza de que nunca estarei só -, mas, ao contrário de ti, não desprezo os livros novos, não os acho apenas papéis pintados com tinta, frios e sem mistérios, acho-os precisamente mistérios provocadores à espera de serem arrefecidos. Sinto, perdoa-me a hipérbole, um prazer sexual ao abrir um livro pela primeira vez; indescritível a sensação de percorrer todos os seus cantos virgens com os meus dedos, de lhes soltar os silêncios das palavras, de lhes provocar as primeiras cicatrizes (o canto da página 84, por exemplo, onde esbarrei em mim dentro de ti). Gosto e tenho de os consumir a cada leitura - não espreito para os livros, possuo-os, marco-os, abro-os, leio-os. Como pode um livro chegar à última página sem a marca de quem os leu? É como passar pela vida sem que alguém se lembre de nós, tentando ser discretos para não incomodarmos - isso não é viver, aquilo não é ler.
Por isto mesmo, David, entendo tão bem o valor acrescentado de um livro usado. Além de poder comprar mais por muito menos, também eu me emociono na expectativa do que vou encontrar para além da certeza das palavras. Acumulo na caixa das surpresas uma palheta talvez dum músico esquecido, um convite para uma festa memorável da qual não tenho fotografias, anotações sobre filmes que eu já vi, e nunca esqueço o cheiro que trazem da casa de onde foram expulsos, a dedicatória que ainda não consegui decifrar ou as anotações e dúvidas expressas discretamente a lápis. E imagino o que pensará um dia quem encontrar o meu rasto. 
Também não consigo compreender quem se desfaz deles, como se estivessem a mais, como se não pertencessem ao lar. Não entendo, porque não esqueço: o meu Ensaio sobre a Cegueira que nunca mais voltou para casa, o meu The French Lieutenant's Woman a quem perdi o rasto, o meu Regresso que demora em regressar, o meu Os Meus Problemas deixado imperdoavelmente num autocarro da Rodonorte, ou o meu Os Anagramas de Varsóvia que só saiu há uns dias e de quem já tenho saudades.
Os livros usados trazem sempre mais histórias, ainda mais silenciosas do que as outras e por isso mesmo te resolvi escrever. São eles que verdadeiramente guardam o silêncio das palavras sem fim, das que estão escritas e que nunca podem ser completamente lidas e das que transportam como que apêndices escondidos em esperas intermináveis. Todos esperamos sempre algo que nunca virá e só quando sabemos compreender essa espera no silêncio das palavras que viajam sabemos realmente viver.

Contigo na espera,
Fi

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Uma missão muito especial


Ontem à noite, estava eu no meu quarto, quando ouvi um grande estrondo. Fiquei assustada porque parecia que alguém tinha caído lá fora e, por isso, fui até à janela do meu quarto. Abri a persiana e fiquei a olhar para todo o lado a ver se percebia o que tinha acontecido. Ao fundo da rua vi uma coisa extraordinária: pensei que não estava a ver bem e decidi esfregar os olhos. Quando os abri novamente, confirmei o que já tinha visto antes: era o trenó do Pai Natal todo espatifado no meio da estrada! Ao lado, a tentar-se levantar, estava o próprio Pai Natal! Vesti o meu robe com muita rapidez e desatei a correr para o ir ajudar.
Quando cheguei lá, ele já estava de pé, a tentar equilibrar-se e a sacudir a sujidade do seu fato. As prendas, que tinham caído do trenó, estavam todas espalhadas pela rua - fiquei tão preocupada. 
- Então, Pai Natal, o que te aconteceu?? - perguntei eu muito curiosa. - Estás bem??
O Pai Natal explicou-me que uma das suas renas estava mal disposta e ao contornar uma das nuvens, despistou-se e o trenó caiu desgovernado no chão. As renas puseram-se a fugir, assustadas, e ele tinha ficado ali, caído, desamparado, triste e desorientado. Não sabia o que havia de fazer com tanta prenda espalhada pelo chão e, pior, sem renas, não poderia ir distribuí-las por todos os meninos do mundo.
Foi então que me lembrei da conversa que eu tinha tido com a minha avó, e achei que podia ajudar o Pai Natal. A minha avó tinha-me contado que, quando ela era pequenina, não era o Pai Natal a distribuir presentes por todos os meninos, era o menino Jesus. As crianças tinham que deixar uma bota ou uma meia debaixo da chaminé e o menino Jesus, durante a noite, levava presentes a todos os que se tivessem portado bem. Eu até achava muito bem, afinal era o aniversário do menino Jesus, a noite de Natal era a noite em que ele tinha nascido. 
O Pai Natal explicou-me que há uns anos atrás, quando os meninos começaram a pedir prendas muito grandes, ele tinha começado a ajudar o menino Jesus, pois tinha um trenó onde as podia levar com mais facilidade. Mas, agora, não sabia o que fazer: tinha começado a tratar de tudo sozinho e nunca mais tinha visto o menino Jesus, nem sabia como havia de o contactar e perguntou-me se eu o poderia ajudar.
- Claro que sim! - respondi-lhe eu com toda a certeza. - O menino Jesus está dentro do nosso coração e para falarmos com ele só precisamos de falar com a linguagem do amor.
O Pai Natal estava a ficar um pouco confuso e eu clarifiquei o assunto:
- Quando rezamos, em voz alta ou só dentro da nossa cabeça, estamos a usar a linguagem do amor e o menino Jesus ouve sempre o que nós dizemos. Foi assim que a minha avó me explicou.
Ainda assim, o Pai Natal estava preocupado, porque já faltava muito pouco para a noite de Natal e não sabia se daria tempo para avisarmos o menino Jesus. Então, eu disse-lhe que hoje estaria com muitos meninos e muitos adultos e que isso seria o suficiente para conseguirmos falar com o  menino Jesus.
O Pai Natal concordou e agradeceu-me a ajuda. Apanhou o autocarro, que ia mesmo a passar naquele momento, e foi-se embora.
Por isso, hoje, tenho esta missão muito especial: venho pedir-vos que, este ano, usem todos a linguagem do amor para pedirmos ao menino Jesus as prendinhas para todo o mundo. E como o menino Jesus não tem trenó, não vamos pedir prendas muito grandes, em vez disso vamos pedir paz, amor e muita saúde para o mundo inteiro.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Ela e ela

Conheceram-se talvez há muitos anos, mas não se lembravam.
Um dia, há tão pouco tempo, foram apresentadas num momento banal, daqueles de que nenhuma história se ocupa durante muito tempo.
Ela estava nervosa e mais nervosa ficou.
A outra estava ansiosa, mas feliz.
Concordaram no diálogo que iniciaram e complementaram-se a nível institucional.
O diálogo estendeu-se a conversas sem fim.
Na diferença encontraram partilhas.
Uma ensinou a outra a refletir e a agradecer.
A outra ensinou-a a sorrir e a amar.
Quando perceberam estavam próximas e prontas a continuar.

E agora? No ponto e vírgula instalado, a outra perdeu-se.
A outra pede-lhe que fique, se puder escolher.
Ela vai ficar: de qualquer forma ela vai ficar.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Tristeza

Ontem, senti-me enredada na tristeza, como se fosse um conjunto de braços extensíveis, cobertos de tentáculos, que não me soltaram durante todo o dia. Para onde quer que olhasse, mesmo que tentasse não ver, sentia-a nas palavras, nos sons, nas imagens, na pele.
À noite, tentei encontrar alguma claridade, mas a tristeza só começou a desvanecer nas lágrimas que me vi obrigada a aceitar.
Por um lado, percebi que a tristeza se encontra na pureza dos sentimentos, que sem essa pureza era impossível senti-la assim no aperto da respiração. Recordei momentos de partilha e descoberta que me abriram a porta para poder agora sentir esta tristeza. Partilho da opinião daqueles que consideram que tudo na vida tem um propósito, que todos temos uma missão e eu não consigo parar de refletir sobre a minha. Acho que a cumpri, mas não tenho a certeza de já a ter terminado. Estou confusa e com medo.
Por outro lado, aprendi que a tristeza é universal, que brota da crueldade do homem pecisamente na mesma proporção. Aprendi que o sangue derramado numa calçada é impossível de ser lavado, que as marcas da vida ficam mesmo para além da morte, e que todos vamos sempre regressar a casa. Sentir-me perto dos que estão longe é a magia da literatura.
Na verdade, não aprendi nada disto. Relembrei. Parei um dia para sufocar na tristeza. E agora guardo-a numa bolsinha que encosto à pele e vivo.