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quarta-feira, 14 de março de 2018

A minha própria síndrome do ninho vazio

A propósito de um texto que vai circulando por aí acerca da síndrome do ninho vazio, mas do ponto de vista dos filhos, mais especificamente, de uma filha.

Eu era uma filha muito agarrada ao ninho, quer dizer, mais agarrada às asas da mãe do que propriamente ao ninho; ainda assim presa aos confortos de mãe, pai e irmão e às rotinas que cultivávamos. Ao sábado era o dia das limpezas e aos domingos íamos almoçar fora, durante a semana à noite a mãe cozinhava e eu ficava por ali, a conversar - muito -, a contar tudo o que acontecia na escola (e também o que eu gostava que acontecesse e o que não acontecia e ainda o que eu imaginava que podia acontecer)! Mas enquanto falava, observava. Quase nunca cozinhei, nem me lembro de ter sido ensinada formalmente a cozinhar, mas eu estava sempre ali, a ajudar, a aprender sem saber.

Quando saí do ninho, aos 18 anos, não me lembro de ter sofrido de qualquer síndrome, nem sequer de pensar se a minha mãe estaria a passar por isso.

Eu tinha 18 anos. Fui viver sozinha a 100km de distância do ninho. Almoçava na cantina da universidade e tentava cozinhar ao jantar, ia para as aulas e tentava fugir a algumas praxes. Ia jogar snooker ou flippers para o salão de jogos, ficava a estudar até tarde, ia a jantares ou só tomar um café,  participava em grupos de tertúlias e ia até casa de colegas. Ia aos ensaios do coro e dávamos concertos pela rua. Eu punha a roupa na máquina e tentava lembrar-me de a estender e, aos fins-de-semana, voltava ao ninho, às vezes de surpresa!

Não havia telemóveis nem bips, e a cabine telefónica mais perto de minha casa ficava a cerca de 300 metros com 50 degraus (a subir) pelo caminho. Fazia coleção de credifones e adorava o 090 para fazer chamadas a pagar no destino.

Tinha colegas do Porto, de Chaves, de Santarém, de Lisboa, do Algarve, de Braga... Colegas mais velhos e outros da mesma idade, havia serões infinitos de partilha de experiências e de conversas completamente novas: éramos adultos - coisa recente - e achávamos que coversávamos sobre assuntos que eram importantes. E eram.

Ao fim-de-semana, o ninho estava igual: com mãe, pai e irmão. Com amigos que, em alguns casos, também só voltavam à sexta-feira e saíamos para partilharmos copos, conversas e experiências.

Foi um ano de descobertas, de conquistas, de aprendizagens. E a partir de certa altura também de alguns medos. A minha mãe estava doente e deixara de trabalhar. Passava temporadas na cama e outras no hospital. As rotinas estavam temporariamente - acreditava - alteradas.

Acho que eu não tive tempo para sentir o ninho vazio: havia tanta coisa para fazer, tanto para estudar, tanto para aprender. E o ninho estava onde sempre esteve. E eu regressava, e aninhava.

Acho que não tive sequer tempo para pensar no que o ninho perdia pelo facto de eu estar ausente.

Um dia regressei... E o ninho estava de facto vazio.

Felizmente soubemos preenchê-lo de novo. Nunca mais ficou igual, mas conseguimos construir um outro, pleno de sorrisos, de felicidade.


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