Justina sentou-se ao lado do filho, embora todas as atenções se dirigissem para o neto. Olhava-o intensamente e lembrava-se de quando tinha sido mãe, há 33 anos. Há qualquer coisa no olhar de um bebé que consegue apagar todas as dores: mesmo aquela que a dominava quando ela havia gerado o seu filho. Era a obrigação da mulher, mas Justina nunca percebera como um ato tão violento podia provocar prazer no outro. Era um mistério infeliz com o qual vivera sempre, até ao dia iluminado e recente que lhe levara o marido num acidente com o camião que conduzia.
Da dor intensa da sua obrigação de esposa nascera um único filho, aquele que agora estava sentado ao seu lado, com a mulher e o pequeno David. Justina admirava-os a todos, mas só tinha olhos para o neto. Enquanto o pequeno balbuciava palavras impercitevelmente deliciosas, ela imitava-lhe os sons e sorria. Era finalmente um sorriso calmo, sem medo, puro e verdadeiro. Sorria para o neto que lhe devolvia a pureza em gargalhadas e movimentos ainda descoordenados.
As mesas do shopping onde almoçavam estavam todas cheias, no frenesim normal de um dia de chuva lá fora. Na mesa de Justina não se ouvia mais nada: só os sons dele, daquele boneco doce que se multiplicava em expressões de felicidade.
Tinha sido assim com o marido, com o filho, e agora com o neto: oferecia a ternura e o carinho e recebia o que viesse, tranquila, em aceitação total daquilo que é e não pode ser mudado. Recebera sempre pouco, muito pouco, se excluísse os murros, insultos e desrespeitos. Do filho tinha amor.
Justina olhava o neto na certeza de que a atenção que lhe dedicava torná-lo-ia um homem bom, como tinha feito com o filho.
O terror do regresso a casa já não existia, sentia-se leve e conseguia ver tudo com mais nitidez. Sem sobressaltos, apreciava os dias e as horas de forma diferente: eram perfeitos. Não havia culpa nesta serenidade, só aceitação da vida, como sempre, como antes.
A certa altura, a nora percebeu que o marido tinha ficado sem água no seu copo. Pegou na sua garrafa, estendeu-a ao marido e disse:
- Toma. Bebe da minha.
Justina desviou o olhar do neto. Respirou fundo. E disse:
- Sabes, isso que acabaste de fazer é uma grande prova de amor. É sinal de que amas o teu marido, que lhe queres bem.
E no silêncio continuou:
- Sabes, eu nunca tive isso.
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