Havia uma marca estranha na madeira da janela. Tinha uma forma arredondada, como se tivesse sido feita pela parte de trás de um lápis com borracha, quando esta já se gastou e deixou apenas a aresta de metal exposta. Se lhe perguntassem haveria de explicá-la assim: alguém cansado de procurar as palavras foi rodando aquela parte do lápis - tão inútil quando se perdem as palavras - de encontro à madeira da janela velha da casa da sua avó. Ficou ali sentada, no namoradeiro esquerdo. Não conseguia parar de pensar no que teria atormentado o autor daquela marca - ou a autora (talvez até a sua própria avó). Era um mistério que existia há anos ali mesmo naquele lugar. Não se alterava, nem alastrava, apenas uma pequena mudança no tom, que o tempo sempre traz cores diferentes à vida. Ao contrário dos cabelos da sua avó, aquela mancha tinha ficado, com os anos, mais escura. Apertou os olhos para conseguir analisar ainda melhor aquela marca, mas as únicas respostas continuavam a ser as da sua imaginação.
Decidiu então pegar num lápis, voltar a olhar o círculo que a intimidava, e começar a escrever. O título, sempre o título em primeiro lugar. Para ela era sempre assim. Uma palavra, uma expressão, um significado e um significante e todo o texto surgia, tal caule rebentado desse pequeno tópico. Não os escolhia, encontrava-os - tal como tinha encontrado aquela marca na janela.
Momentos mais tarde, a folha estava cheia. Palavras e personagens, espaços e cores. E uma sombra. Parou assim que a viu e percebeu que todas as respostas do mundo estavam ali, naquela pequena sombra. Uma mancha que cobria algumas das suas linhas, uma pouco usual forma apresentava-se assim, em simplicidade de cinzentos, em ausência de luz, em objetos velados pela falta de luminosidade.
Era apenas uma sombra, uma sombra de uma coisa qualquer - pouco importa do quê quando apenas uma sombra consegue trazer todas as respostas do mundo.
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