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sexta-feira, 20 de maio de 2016

Imaginem isto... (1ª parte)

Imaginem que havia um sistema educativo onde era obrigatório andar na escola até aos 18 anos. Os jovens saíam do sistema só quando completassem a maioridade ou o 12º ano, preparados para ingressar no mercado de trabalho, com habilitações académicas e profissionais. Evitávamos a exploração de jovens no mundo do trabalho que não soubessem reconhecer os seus direitos, ou que não estivessem preparados para lutar por eles. Entrariam nesse mundo apenas depois de uma formação coerente, que os munisse das competências necessárias para enfrentarem um mercado competitivo e nem sempre justo. Ganhavam as empresas na qualidade dos seus trabalhadores, ganhava um país com um nível de escolaridade alto, que se traduz, obviamente, num país com uma mentalidade mais aberta, com uma população mais culta e educada.
Imaginem que as pessoas queriam ser mais cultas e educadas e que lhes era oferecida essa oportunidade.
Imaginem também que depois dos 14 anos, mais coisa menos coisa, os alunos até podiam estudar e receber um subsídio ao fim do mês. Ou seja, não uma educação gratuita, mas uma educação financiada: um incentivo extra como bónus por adquirirem as capacidades mínimas para o desempenho de uma atividade profissional.
Imaginem que até se criavam escolas exclusivamente para esses alunos, que, não pretendendo progredir em percursos académicos de nível superior, procuravam uma formação profissional que lhes permitisse ir trabalhar com qualidade. Não precisavam de se preocupar com investimentos financeiros, já que, como disse, receberiam um incentivo monetário simbólico para ajudar na sua preparação para o mundo laboral.
Estão a imaginar?
Hoje só me apetece imaginar até aqui.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

A sombra

Havia uma marca estranha na madeira da janela. Tinha uma forma arredondada, como se tivesse sido feita pela parte de trás de um lápis com borracha, quando esta já se gastou e deixou apenas a aresta de metal exposta. Se lhe perguntassem haveria de explicá-la assim: alguém cansado de procurar as palavras foi rodando aquela parte do lápis - tão inútil quando se perdem as palavras - de encontro à madeira da janela velha da casa da sua avó. Ficou ali sentada, no namoradeiro esquerdo. Não conseguia parar de pensar no que teria atormentado o autor daquela marca - ou a autora (talvez até a sua própria avó). Era um mistério que existia há anos ali mesmo naquele lugar. Não se alterava, nem alastrava, apenas uma pequena mudança no tom, que o tempo sempre traz cores diferentes à vida. Ao contrário dos cabelos da sua avó, aquela mancha tinha ficado, com os anos, mais escura. Apertou os olhos para conseguir analisar ainda melhor aquela marca, mas as únicas respostas continuavam a ser as da sua imaginação.
Decidiu então pegar num lápis, voltar a olhar o círculo que a intimidava, e começar a escrever. O título, sempre o título em primeiro lugar. Para ela era sempre assim. Uma palavra, uma expressão, um significado e um significante e todo o texto surgia, tal caule rebentado desse pequeno tópico. Não os escolhia, encontrava-os - tal como tinha encontrado aquela marca na janela. 
Momentos mais tarde, a folha estava cheia. Palavras e personagens, espaços e cores. E uma sombra. Parou assim que a viu e percebeu que todas as respostas do mundo estavam ali, naquela pequena sombra. Uma mancha que cobria algumas das suas linhas, uma pouco usual forma apresentava-se assim, em simplicidade de cinzentos, em ausência de luz, em objetos velados pela falta de luminosidade.
Era apenas uma sombra, uma sombra de uma coisa qualquer - pouco importa do quê quando apenas uma sombra consegue trazer todas as respostas do mundo.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Adoro-te, porca!

Sempre fui apaixonada pelas palavras. Aprendi a conhecer-lhes o significado e a associar-lhes valor. Tenho a minha própria forma - como temos todos - de lidar com elas. Porque sou do norte, acrescento-lhes sons e torno-as mais redondas, talvez até mais pesadas, mas garanto que as adoro. Gosto de as explorar, de brincar com elas, de lhes perder o medo, de as respeitar, ou de as reinventar.
Por exemplo, aceitei a palavra madrasta, quase ao mesmo tempo que preenchi os recantos da palavra saudade; percebi o que queria dizer amor quando a liguei à dor do parto; entendi a palavra coragem quando perdi o medo à solidão; conheci o valor da palavra amizade quando dela dependeu a sanidade. As palavras são tudo. Dizem exatamente aquilo que significam e só através delas conseguimos legendar a importância do mundo.
Prefiro chamar tristeza - em vez de revolta - ao que tantas vezes sou obrigada a testemunhar. Retirar o significado das palavras (e dos gestos, das atitudes, dos comportamentos) é banalizar um mundo que é precioso de mais. Nos dias mais escuros, em que me é mais difícil enxergar a luz, quase baixo os braços perante a força dos banalizadores. São tantos que me assustam.
Mesmo assim, continuo a luta! A luta contra:
- os que insultam os amigos, porque era só a brincar;
- os que gozam o colega, porque era só a brincar;
- os que apalpam a rapariga que passou no corredor, porque era só a brincar;
- os que atiram papéis à professora, porque era só a brincar;
- os que chamam porca à irmã, porque era só a brincar.
Sou dos da luta contra os banalizadores. Fico triste ao ver tanta gente que não consegue identificar a importância das coisas. Cansada de ouvir dizer: "Deixe lá, é igual!" Não, não é igual!
Adoro-te, meu amor não é igual a adoro-te, porca. Inclusivamente, este é o meu título de post mais feio de sempre!