A rua estava deserta apenas porque se situava longe do centro de atividades da cidade, era estreita e parecia encolher a cada segundo que passava. Talvez o local não tenha sido escolhido por obra do acaso. Talvez tenha sido selecionado cuidadosamente para que ninguém os visse.
O carro tinha abrandado lentamente e parado ali mesmo, onde ela ainda se encontrava. Havia saído do carro, como lhe ordenaram, e permanecia ainda ali, sem encontrar outro caminho, sem procurar outras decisões.
Talvez haja, de facto, momentos na vida em que não se procuram respostas, nem ações, nem decisões; momentos de pausa sem reflexão. Era assim que ela se encontrava: parada e não apenas fisicamente.
Apesar disso, a luz era cada vez menor e todas as outras pessoas continuavam ausentes. Só a órbita terrestre informava acerca do passar do tempo e contrastava com a quietude de tudo, especialmente dentro de si.
O momento prolongou-se até à escuridão total que, estranhamente, lhe despertou os sentidos. Mexeu os olhos como se os tivesse acabado de abrir e enxergou apenas uma alma: a sua - redescoberta no silêncio que a envolveu aqueles minutos (horas?) que permanecera ali, assim.
O carro que a tinha deixado ali levara os companheiros das horas más, os parceiros das escolhas malignas que havia feito no passado. Olhou para o fundo da rua, como se o carro pudesse estar ainda a desaparecer e decidiu, por fim, avançar. Decidiu que os dias de abandono em substâncias que a retiravam da realidade só lhe traziam uma outra realidade: muito pior do que à que ela tentava escapar. Era cedo. E ainda havia tempo. Violada no corpo e na alma acordou. Pensava que poderia não ter passado por tudo aquilo, que preferia não ter passado por nada daquilo (nem os momentos de indescritível e efémero prazer), porque nada era maior do que a perda da alma. Desrespeitada e quebrada.
Tinha 17 anos. Estava sozinha.
Decidiu recomeçar.