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terça-feira, 22 de novembro de 2016

Recomeço

A Eram exatamente 17 horas. A claridade do dia estava a desaparecer e a frescura da noite intensificava os sentidos; era impossível ignorar a passagem do tempo. 
A rua estava deserta apenas porque se situava longe do centro de atividades da cidade, era estreita e parecia encolher a cada segundo que passava. Talvez o local não tenha sido escolhido por obra do acaso. Talvez tenha sido selecionado cuidadosamente para que ninguém os visse. 
O carro tinha abrandado lentamente e parado ali mesmo, onde ela ainda se encontrava. Havia saído do carro, como lhe ordenaram, e permanecia ainda ali, sem encontrar outro caminho, sem procurar outras decisões.
Talvez haja, de facto, momentos na vida em que não se procuram respostas, nem ações, nem decisões; momentos de pausa sem reflexão. Era assim que ela se encontrava: parada e não apenas fisicamente.
Apesar disso, a luz era cada vez menor e todas as outras pessoas continuavam ausentes. Só a órbita terrestre  informava acerca do passar do tempo e contrastava com a quietude de tudo, especialmente dentro de si.
O momento prolongou-se até à escuridão total que, estranhamente, lhe despertou os sentidos. Mexeu os olhos como se os tivesse acabado de abrir e enxergou apenas uma alma: a sua - redescoberta no silêncio que a envolveu aqueles minutos (horas?) que permanecera ali, assim.
O carro que a tinha deixado ali levara os companheiros das horas más, os parceiros das escolhas malignas que havia feito no passado. Olhou para o fundo da rua, como se o carro pudesse estar ainda a desaparecer e decidiu, por fim, avançar. Decidiu que os dias de abandono em substâncias que a retiravam da realidade só lhe traziam uma outra realidade: muito pior do que à que ela tentava escapar. Era cedo. E ainda havia tempo. Violada no corpo e na alma acordou. Pensava que poderia não ter passado por tudo aquilo, que preferia não ter passado por nada daquilo (nem os momentos de indescritível e efémero prazer), porque nada era maior do que a perda da alma. Desrespeitada e quebrada. 
Tinha 17 anos. Estava sozinha. 
Decidiu recomeçar.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Novo look

Hoje apeteceu-me mudar de visual.
Gostam?

Os textos seguem dentro de momentos.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Decisões e certezas (I)

Duas das grandes e maiores decisões da minha vida foram tomadas sem certezas absolutas, ou pelo menos, sem o grau de certeza que vi em outras pessoas perante as mesmas situações. Correndo o risco de me considerarem uma aberração, disparo: ser professora e ser mãe. E agora, se me permitem, explico-me e justifico-me. 
Tomei a decisão de ser mãe já depois dos 25 anos, até lá a maternidade não fazia propriamente parte dos meus planos, nem achava que tal condição teria de existir na minha vida para que me sentisse completa ou realizada. Aliás, lembro-me de ter uns 15 ou 16 anos e de, à mesa, em família, ter afirmado que talvez não quisesse vir a ser mãe. Não recordo a reação da minha mãe se é que houve alguma; mas a do meu pai... De tão incisiva e assertiva nunca me esqueci dela. A minha afirmação causou-lhe tamanha indignação que me surpreendeu. Claro que, naquela idade, o efeito foi precisamente o contrário, isto é, o meu pai proibiu-me, praticamente, de repetir tamanho disparate e isso só me deu vontade de o repetir vezes sem conta. Na verdade, eu nem sequer disse que não queria ser mãe, só admiti essa possibilidade, mas a reação dele fez-me pensar que essa minha decisão parecia, naquele momento, muito pouco minha. Quando ouço mulheres indignadas por lhes ser constantemente perguntado quando chegam os rebentos, como se de uma obrigação se tratasse, desconfio que sentem o mesmo que eu senti aos 15 anos naquela mesa de jantar. 
O meu pai ainda era caloiro na condição de pai de uma teenager, caso contrário saberia que os adolescentes pensam que já sabem tudo e que quanto mais controverso o tema mais apetecível se torna. A minha mãe, professora, conhecia-me um pouco melhor. Além disso, penso que o meu pai até deveria ter ficado feliz com aquela minha afirmação; afinal, qual pai de adolescente não ficará feliz em saber que a filha não quer ser mãe??
Passou talvez uma década até que a ideia da maternidade começasse a ganhar alguma forma, e passasse de uma probabilidade a um desejo. Confesso, porém, que o desejo se revestia de imensas dúvidas e perguntas. Eu não tinha a certeza absoluta de que gostaria de ser mãe, ou pior, se estaria à altura do cargo! O meu modelo tinha sido o melhor de todos, tão bom que me criara esta capacidade de equacionar, refletir, pensar e tomar decisões em consciência. Aos 29 decidi e, felizmente, aconteceu: engravidei. 
As afamadas maravilhas da maternidade darão muitos outros textos, mas no de hoje cabe apenas dizer que o momento em que a Mafalda se deitou no lado de fora do meu ventre, naquele segundo em que os nossos olhares se cruzaram pela primeira vez, eu tive a certeza de que aquele seria o meu papel principal nesta vida. Curiosamente, e isto é rigorosamente a verdade, a enfermeira que puxou a minha filha para o mundo, e com quem eu tinha desenvolvido uma relação bastante divertida nas últimas 3 ou 4 horas, deixou, premonitoriamente, de me chamar Filomena e passou a chamar-me Mafalda. Naquele momento, a Filomena tinha, de facto, desaparecido, ou pelo menos nunca mais seria a mesma.