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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A todos os meus leitores

Não alinho nas críticas irónicas de que em noite de eleições foram todos estranhamente vencedores. Na verdade, não podemos ignorar uma série de resultados surpreendentes. 
O maior de todos tem de ser, infelizmente, o da abstenção: continuamos a verificar que a maior parte da população está (não desligada da política, como se costuma dizer), mas desligada da vida. Ainda não consigo entender por que deixam que escolham por eles, quando, aparentemente, parecem ser tão críticos e senhores de opiniões em relação a tudo. No momento em que podem, de facto, marcar a diferença, importar, mostrar que existem, escolhem uma apatia ridícula e ignorante.
Em segundo lugar, os resultados dos candidatos: um eleito à primeira volta sem um único cartaz nas ruas - obrigada! - embora com anos de direito de antena televisivo; um intelectual mais ou menos desconhecido que se mostrou próximo das pessoas é capaz de derrubar máquinas partidárias; uma jovem doutrinária de teorias tão estranhas, mas que consegue chegar a um número impressionante de pessoas; um calceteiro que ensina, sem dúvida, que a política é um dever de todos e consegue convencer cidadãos de todo o país. E estes foram para mim os vencedores.
Porém, esta campanha disseminou um vírus (uma epidemia, a meu ver) que já andava presente, ainda que mais ou menos confinado. Agora espalhou-se: sem pudor, sem distinções, assustadoramente! Quando estudava na escola primária, aprendi que na nossa língua, quando nos dirigimos ou referimos a um público misto, devemos usar o género masculino. E foi assim durante muitos anos e nunca me senti discriminada por isso; era (e continua a ser!) uma regra da língua portuguesa. Dava até azo a algumas brincadeiras engraçadas e inofensivas. Agora, já todos ouviram, perdeu-se o uso dessa regra entre os políticos. Somos obrigados a ouvi-los repetir todos os vocativos, determinantes, nomes e adjetivos no masculino e no feminino. 
Estou farta! Primeiro, eram apenas os da esquerda moderna, mas nesta campanha alastrou-se deselegantemente a todas as fações. Primeiro, limitavam-se a acrescentar o feminino logo a seguir ao masculino (imagino as horas de treino que foram precisas para mecanizar o trejeito!), mas agora até dizem o feminino antes do masculino numa espécie de competição absurda e patética sobre quem dá mais importância às mulheres! Torna o discurso pesado, é um pouco patético, não flui, não enriquece os enunciados e muito menos prova que dá importância às mulheres.
Quando me dirijo aos meus leitores, dirijo-me a todos os meus leitores. Preciso de explicar o que isso significa? Tenho a certeza de que não! E o que se segue? Deixar de dizer queria um café para passar a dizer quero um café?? Não deixem, por favor. 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Atenção! Este é um texto de autoajuda.

Há experiências pessoais que vale a pena partilhar: as que encorajam, as que influenciam positivamente, as que empurram para a frente.
Costumo dizer aos meus alunos que, a todo o momento, andamos a semear aquilo que um dia colheremos. Por vezes, a colheita é feita a curto prazo, mas, na maioria das vezes, ela acontece a longo prazo. O exemplo que lhe dou consiste basicamente no seguinte: 
Um dia, quando eu for dona de uma grande empresa e precisar de funcionários, vou lembrar-me de alguns dos meus alunos - em princípio, dos melhores e dos piores. Dos medianos, daqueles que não deixam marcas, quase nunca ninguém se lembra. É essencial dar nas vistas, chamar a atenção, ou marcar por algum motivo inesquecível. Nessa altura, os piores aparecer-me-ão na memória e não vou esquecer que não me serivirão para nada. Se os reencontrar numa entrevista de emprego, tenho a certeza de que me lembrarei deles e, sorrindo, direi "Se for selecionado, entraremos em contacto consigo brevemente", ao mesmo tempo que estarei a pensar "Não tens hipótese! Lembro-me bem de como eras preguiçoso!". Claro que todos podemos mudar, crescer, evoluir, correr atrás do prejuízo. Porém, nem sempre há tempo para reparar nisso e, sendo assim, contam as primeiras sementes lançadas.
Por outro lado, os que me marcaram positivamente provavelmente nem terão de procurar o anúncio de emprego, eu própria irei à procura deles. Do mesmo modo, lembrar-me-ei deles se alguém me pedir conselhos ou me perguntar se conheço alguém adequado para este ou aquele trabalho.
Poderá ter passado apenas meio ano, ou um ano, mas também podem ter passado vários. A semente fica. 
Espalhamos sementes a todo o momento: num sorriso, num por favor, num obrigado, num segurar de porta. Mas também fica semeado com profundidade cada não, cada olhar torcido, cada palavrão, cada desculpa esfarrapada, cada preguiça.
Felizmente, tenho podido colher o fruto de muitas sementes. E penso muitas vezes: a minha sorte é tentar sempre deixar algo bom por onde passo. 
Só me falta mesmo ser dona de uma grande empresa! 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

(In)satisfações

Todos os factos têm duas versões.

Acordo de manhã, quando a luz está também a chegar. Estico o braço direito, depois o esquerdo, as pernas são as duas ao mesmo tempo. Levanto-me e penteio o cabelo (está bonito). Olho para o lado e ouço os passinhos pequeninos a entrarem no quarto (sorrio). O quarto não é meu, é nosso. O chuveiro não é grande coisa, mas ainda assim o melhor do mundo só porque está ali. Água, perfume, beijo, pão, café, papel, chave, carro. Fui. 

Enfrento as feras, discorro em frustrações e em certezas. Entremeio tudo com literatura e música, que é o mesmo mas embalada. 
Está sol e consigo carregar a bateria. Vejo árvores, céu, azul, cinzento, relva, verde, pássaros, garças (talvez), televisão, papel, computador, estrada, trabalho, projetos. Corro.
Telefono à amiga que tinha saudades minhas, recebo um convite para um casamento, leio as notícias, jogo no euromilhões (era bom!). 

Chego mesmo a tempo. Um abraço e um mimo. Relatos e sons: já não há silêncio. Ouço. Sinto. Estudamos e contamos,  dividimos e multiplicamos: as palavras, sempre!
Fogão, dieta, água. Sofá. Um abraço. Boa noite. Sono: muito. Cansaço. Amor. Feliz.

E é só. E é tudo. Tudo.

Mas todos os factos têm duas versões.