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quarta-feira, 29 de julho de 2015

Efemeridade

Já me tinham falado, mas eu nunca tinha visto: há uma flor que desabrocha pela manhã e murcha ao fim do dia. No dia seguinte, desapareceu. Não é um florzinha singela; é uma flor, com todas as letras, resplandescente de cor e formas e texturas e cheiro. Uma produção incrível para uma exibição pouco superior a 12 horas. É linda e, sem dúvida, corajosa.
Hoje fui, pela última vez, à minha escola. Entrei de nariz empinado, orgulhosa do trabalho que desenvolvi ao longo dos meses deste ano letivo. Caminhei calmamente, de cabeça erguida, passos lentos, suspiros suspensos; havia um cheiro a mar e as gaivotas ocupavam os lugares do costume. Cumprimentei com sorrisos invulgarmente pusilânimes e procurei que não me interrompessem a marcha. Abri o cacifo, recolhi os materiais, observei o espaço vazio e fechei a porta. Rodei a chave para a direita e prostrei-me talvez uns 3 segundos. Não consegui, porém, desencaixar o porta-chaves, muito menos retirar o cartão com o meu nome do mostrador. A chave ficou lá, suspensa e num ligeiro balançar; o meu nome também. Eu não.
Não faz mal: como a flor do dia, eu produzo-me toda para apenas um só ano letivo. Só assim vale a pena. Sei que murcho em agosto, mas isso não me tira o brilho, as cores, os sons, as texturas de todas as pétalas do meu corpo. 




Nota: Os acontecimentos são parcialmente ficcionados. Os sentimentos são todos reais.

5 comentários:

  1. A foto não é como as tuas, Miguel, mas não está mal... Aproveito para dizer que todas as fotos do blog são minhas.

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  2. Fátima Machado Amo4im30 de julho de 2015 às 05:55

    Continua assim Fi, produz-te sempre para tudo na vida. Só assim, dando o nosso melhor, podemos "murchar" tranquilas... ainda que em 12h!

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  3. O importante é ficar a nossa presença quando ausente. A tua ficou. Um beijo, amiga.

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  4. Pois. Isso de "murchar" é que só tem mesmo a ver com a flor. Tu és mais a borboleta ou o colibri que vai de flor em flor, criando conexões mentais e afetivas, pintando o cenário enquanto estás presente. Gostaria que apreciasses essa qualidade na tua experiência cheia de mudança. Que olhasses para o 'desapego' com simpatia. É obviamente um desejo da alma. E quando assim é, no momento em que nos permitimos olhar com neutralidade e aceitação (aceitação = descansar em), com gratidão pela dádiva que foi amorosamente manufaturada para a expansão da tua consciência, talvez a "liçao" deixe de ter de ser repetida...
    Ficas no coração de muitos. Por isso, volta depressa!

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