Quando efetivei, ao fim de uns longos 17 anos de serviço, fui desterrada para Lisboa ou, como diz o meu pai, escolhida especificamente para lecionar na capital. Em vez das minhas habituais viagens solitárias a ouvir RFM, passei a usar os transportes públicos que, no meio de tanta coisa má, tinham uma gigantesca vantagem: ofereciam-me tempo para ler. Por dia, ganhei duas horas para me dedicar às páginas repletas de letras.
Naquela semana, tinha decidido ler em espanhol (numa tentativa de profilaticamente combater o Alzheimer) El Juego del Angel. Como entrava sempre na primeira estação, tinha lugar para me sentar e, às 7 da manhã, ocupei o meu lugar à janela (com vista para as paredes dos túneis) e, à minha frente, sentou-se um senhor. Numa sincronia não prevista, sentamo-nos e retiramos da mochila um livro. O autor era o mesmo: Carlos Ruiz Zafón. Eu lia o volume 3, ele lia o volume 4 da tetralogia O Cemitério dos Livros Esquecidos. Trocamos sorrisos… e algumas palavras.