Texto de ficção baseado em factos reais.
Os meus
padrinhos de batismo foram escolhidos pelos meus pais. Na altura, havia um
diferendo entre eles: o meu pai achava que elementos da família seriam a melhor
opção, a minha mãe achava que a família já teria um papel na minha vida e que,
por isso, faria mais sentido escolher alguém com quem não tivéssemos relações
de parentesco. Assim, foram aprofundando o debate, medindo prós e contras e
referindo nomes de possíveis candidatos.
Eu era a
primeira filha e, portanto, a escolha era importante e, como se via, difícil. Não
faltavam palpites por parte também dos meus avós maternos e paternos, e
argumentos a favor de uns ricos padrinhos ou de uns padrinhos ricos… mas a
gravidez avançava a bom ritmo e era necessário tomar uma decisão. O facto é
que, apesar de as mulheres terem normalmente uma voz mais forte nas questões
relacionadas com os filhos, foi necessário negociar para chegarem a um consenso
entre a vontade do meu pai e a da minha mãe. Ela decidiu então ir ao encontro
da preferência dele – fazendo a escolha recair em elementos da família (embora
mais ou menos afastados). Eram uns primos ricos, que moravam no Porto, com quem
havia apenas interações esporádicas, talvez pelos Fiéis ou pela Páscoa.
Os primos
tinham aceitado o convite e tudo corria como era de esperar: aquando do
nascimento, festividades religiosas e aniversário da bebé, havia presentes e
visitas e, da minha parte, os meus pais garantiam que eu cumpria a minha obrigação
de afilhada, oferecendo o ramo à madrinha ou ligando de quando em vez a
perguntar se estava tudo bem. Todos ficaram com a sensação de que a escolha
tinha sido aceitável.
Entretanto,
nasceu o meu irmão (um entretanto que foi de 13 meses apenas) e postos perante
a mesma situação, os nossos pais tomaram, dessa vez, uma decisão que ia mais ao
encontro das preferências da minha mãe do que do meu pai. Dois jovens irmãos,
filhos de amigos da família (ou mais da minha mãe), assumiram o cargo com
entusiasmo adolescente.
A vida encarregar-se-ia
de mostrar qual dos dois progenitores tinha mais razão.
Tenho 45 anos
e convivi com os meus padrinhos talvez durante pouco mais de meia dúzia de anos
(os primeiros). Um dia, era eu talvez uma recém-adulta, quando encontrei a
minha madrinha numa superfície comercial. Não me conheceu, claro, mas eu apresentei-me,
mandei cumprimentos ao padrinho e trouxe para casa os dela para os meus pais.
Foi a última vez que a vi. Passo, por vezes, em frente à casa deles no Porto e
recordo as escassas vezes que subi aquelas escadarias ladeadas de heras e
outras vegetações que me fascinavam em miúda.
O meu irmão
tem 44 anos e o convívio com os padrinhos ocorreu principalmente durante os
anos da infância. Passaram-se anos e anos em que não se viram, mas – graças às
redes sociais – reencontraram-se virtualmente há uns anos e até hoje o contacto
mantém-se através de reações que vão do like ao adoro, passando pela tristeza ou
ira partilhada. Mas não faltam as felicitações por altura dos aniversários, que
são – sei – sinceras de todas as partes.
A
minha preferência revela-se na escolha de padrinhos que fiz para a minha filha
(matéria do próximo texto), cuja avaliação se tem revelado positiva.