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terça-feira, 24 de outubro de 2017

Revolta fora do Revolto

Quantas vezes já comecei um texto por "Sou professora"? Muitos! E este é mais um.

Sou professora. Já não sou contratada, é verdade; agora pertenço aos quadros do Ministério da Educação. Ao fim de 20 anos de serviço! 20!

Talvez a frase não precise de ponto de exclamação, uma vez que em Portugal aquela afirmação não é uma exclamativa, apenas declarativa, normal, banal, ordinária.

Assim, ao fim de 20 anos, consegui integrar os quadros e começar uma carreira que, por pouco, me escapava por entre os dedos. Finalmente, professora com possibilidade de um trabalho contínuo, sério, estruturado, organizado, bem planeado, a médio e longo prazo. Finalmente numa escola por um período de, pelo menos, 4 anos...

Como diz a minha filha: "Só que não...!"

Pois não. Para conseguir ficar nos quadros tive que arriscar ir para longe da minha casa. Arrisquei. Foi a minha opção. Eu e a minha família achámos que era melhor isto do que a certeza do subsídio de desemprego em setembro, melhor do que a incerteza do tamanho do ordenado quando ficasse colocada. Arrisquei. Foi a minha (nossa) escolha. Porque escolhas destas são sempre da família.

E assim estaria, conformada com a minha decisão, a lecionar em Lisboa, a 300km do meu (P)porto. A 3 horas de distância da minha filha, do meu marido, do meu pai, do meu irmão, do meu sobrinho, da minha família, dos meus amigos que são tanto quanto família. Sim, tive a sorte de até agora nunca estar muito longe deles. Também tinha sido essa a minha escolha: contratada, só perto dos meus.

Infelizmente, esta história não se resume a escolhas. Antes assim fosse. Fiquei colocada em Lisboa, por decisão injusta do Ministério, enquanto colegas menos graduados (dos quadros - como eu) ficaram mais perto de casa. E agora, condenada, aceito. Porque pelos visto não é possível fazer-se justiça. Porque pelos vistos o Estado é obrigado a dar proteção e defesa a um criminoso, mas pode maltratar professores. E ninguém se importa. Ninguém se importa.

Este princípio (de ano, de carreira, de solidão, de medo) ainda não vai a meio, mas tem Fi. E isso significa que tenho trabalho, que adoro os meus alunos, que concretizo um projeto que me está a encantar, que gosto dos colegas que conheci nesta nova escola. Que tenho amigos que resistem a todos os quilómetros, que tenho uma família de ouro. Que sou feliz. Feliz, porque mesmo a 300km, cada minuto significa vida. E amor.

É uma revolta, fora do Revolto.