Não é nada fácil falar deste assunto, mas agora (há uns meses atrás) que comecei, sinto que devo terminar e talvez fechar este capítulo de vez.
Acordei há pouco de um sono turbulento. Sonhei que estava na maca de um psicólogo e que desabafava compulsivamente. Eis o que eu lhe dizia no meu sonho:
"Este ano trabalhei numa escola com cursos que preparam alunos pouco dados aos livros para uma entrada mais rápida no mundo do trabalho. Recebem um subsídio para frequentar o curso, têm ajudas nas despesas de deslocação, formas de recuperar as faltass e tantas outras vantagens. (Ler os dois textos anteriores do blogue)
Este ano fui muito bem recebida numa escola profissional privada que funciona quase como qualquer escola pública: horários, diretores de turma, intervalos, reuniões e outros compromissos burocráticos. Direção e colegas receberam-me com toda a simpatia e até com bastante disponibilidade para satisfazer alguns dos pedidos que fiz inicialmente. Tal como me tem acontecido em algumas escolas públicas.
As condições do edifício, contudo, era pobres, muito pobres. Salas frias, sombrias, húmidas, mal arejadas, com vários indícios de degradação, falta de espaço para o número de alunos, enfim... Tal como me tem acontecido em algumas escolas públicas.
A maioria dos alunos eram desmotivados, com poucas ambições (exceto quererem ser modelos e jogadores de futebol famosos), rudes, com poucos princípios e muita falta de educação. Tal como me tem acontecido em algumas escolas públicas.
O material para trabalhar existia, embora nem sempre nas condições ideais, mas era possível trabalhar com computadores, tirar fotocópias, ter internet disponível, desenvolver atividades várias. Tal como me tem acontecido em algumas escolas públicas.
Nas aulas, os alunos usavam o telemóvel quase sem descanso, muitas vezes ligados à corrente porque não há bateria que aguente, queriam jogar às cartas e conversar em voz alta uns com os outros. As conversas incluíam obrigatoriamente todos os palavrões existentes ou inventados e debruçavam-se sobre temas de... prefiro não qualificar. Levantavam-se e passeavam pela sala quando entendiam, saíam para ir à casa de banho, ou comer, ou fumar, ou... talvez para outras coisas também. Às vezes pediam para sair, outras vezes informavam.
Os alunos dormiam nas aulas, porque se deitavam muito tarde (alguns trabalhavam até de madrugada, outros divertiam-se até essas horas), ou porque não tinham energia para ouvir matérias e realizar tarefas de que eles não gostavam.
Alguns alunos punham filmes pornográficos nas aulas, com som, chamavam-me puta quando lhes virava as costas, atiravam-me papéis quando estava de costas ou mesmo de frente. Os alunos disseram-me que só seriam expulsos da escola se matassem alguém. Os alunos informaram-me de que eles é que mandavam ali. Disseram-me que bastava fazerem uma cena de santos junto da direção e estaria tudo bem. Houve um conselho disciplinar e alguns alunos foram suspensos e depois tive de recuperar-lhes as faltas com aulas extra ou atividades complementares. Fiz participações disciplinares graves que nunca tiveram qualquer consequência: nem reunião disciplinar, nem sanções, nada.
Os alunos fizeram testes e trabalhos que lhes deram positiva nos módulos das disciplinas, sem que isso queira dizer que aprenderam seja o que for. Os professores deram todas as horas de aulas estipuladas nas planificações e cumpriram todos os conteúdos programáticos. Toda (ou quase) a legislação foi cumprida naquela escola.
Os professores que lá estão trabalham há anos (décadas?) a recibos verdes com contratos degradantes, sem qualquer segurança profissional e com pena que não possa ser de outra forma. Alguns por opção, outros não.
Pagaram-me sempre a tempo e horas. Só as horas letivas. Tudo o resto não é pago.
Não, isto nunca me tinha acontecido em escolas públicas.
Havia alguns professores que conseguiam, às vezes, dar aulas (no
verdadeiro sentido da palavra), havia alguns que conseguiam controlar os
alunos, havia professores que conseguiam desenvolver atividades
positivas e interessantes.
Todos (quer o afirmem ou
não) estão insatisfeitos com o rumo que a escola está a tomar. Há muitos
profissionais ligados à escola que estão a fazer o melhor que podem
para que as coisas corram da melhor forma possível. Outros não.
Tive uma aluna que teve 15 no exame nacional de português. Tive alunos educados, respeitadores, simpáticos e engraçados. Foram uma minoria."
Acordei a chorar.
No sonho, o psicólogo não me tinha ajudado em nada. No sonho, o psicólogo tinha ouvido o meu relato e tinha encolhido os ombros.
Felizmente, foi só um sonho. Acordada, estou à espera de ser colocada numa escola pública. Ou quem sabe, à espera que surjam outras oportunidades profissionais. Acordada, sei que há opções eliminadas das minhas escolhas.