Era uma manhã quente de Verão, já passava das 10 e ainda nem sequer tinha saído da cama. Levantou-se. Adivinhava a temperatura pelos raios que se escapavam através das falhas da velha persiana e Ana calculou-lhe o peso pelo tamanho enorme da varanda. Isto, antes do pequeno-almoço, não vai ser nada fácil. Inspirou e agarrou a fita que elevava uma persiana ainda mais pesada do que havia imaginado. Como recompensa, avistou um extenso campo de erva já pouco verde e, ao longe, ainda se conseguia ver o mar. Estava mesmo quente; ficou-se pela varanda a tentar sentir a brisa marítima, mas em vão.
Depois de um duche curto, vestiu-se e desceu à receção, confirmando que perdera a hora da refeição. Na esplanada da porta ao lado, tomou uma meia de leite direta, comeu uma mariazinha com queijo e prendeu-se na vista da varanda do seu quarto na pensão. Cá de baixo lá para cima, via-se apenas o ondular da cortina e Ana pensou que talvez o quarto já estivesse mais fresco. Acho que agora já vou conseguir trabalhar. Era um dos seus habituais retiros para terminar mais um artigo para a revista da Faculdade. Sozinha, livre, sem horários e só com uma tarefa para cumprir, uma só, para variar.
Como sempre, as palavras encontravam-se mais harmoniosas nestas fugas, porém o calor teimava em não deixar o quarto e, por isso, foi tirando a blusa e depois até os calções. Ficaram as havaianas a condizer com uma cueca reduzida: Olha se eu em casa poderia trabalhar assim!
Chegava finalmente uma brisa irresistível a cheirar a mar. Protegeu-se na cortina que lhe moldava o corpo e deixou a frescura tocar-lhe a pele pela primeira vez. Assegurando-se de que a rua estava deserta, expô-se premunidamente ao canto mais discreto da sacada. Hummm... Que bom! Apesar do meio do dia, o sol rodara para o lado de lá e não se via diretamente dali. Ouviu um ruído quase crepitante e teve a certeza de serem os seu ossos a receberem a frescura. Porém, era a velha fita a ceder e, sem tempos para remédios, Ana viu a persiana desfazer-se num desmoronar tão repentino como ruidoso. O som chamou a atenção dos que se recolhiam no interior do café ao lado da pensão: Ana e a varanda, uma persiana falecida em muralha constritiva - felizmente as havaianas condiziam com a cueca!